quarta-feira, 16 de março de 2011

NA QUINTA DO TIO TOMÁSIO - A RAPOSA E AS AMORAS


Na quinta do tio Tomásio viviam muitos animais. Entre eles, a raposa Espertalhona que comia toda a qualidade de fruta que havia no pomar. Era tão gulosa que não deixava muito por onde escolher, para os outros animais! Um dia, o coelho Saltitão avisou-a:
- Isto não pode continuar, raposa!
Porém, ela olhou-o com ares de grande Espertalhona e respondeu:
- Ora, que culpa tenho eu se os outros animais não gostam de todas as frutas? Hum, não sejam esquisitos!
Dizendo isto virou costas ao coelho Saltitão, deixando-o tão zangado que ele decidiu ir falar com o tio Tomásio e contar-lhe tudo o que se estava a passar. O tio Tomásio ficou furioso com o que ouviu e decidiu ter uma longa conversa com a raposa Espertalhona.
- Por isso, raposa… - dizia – ficas a saber que só poderás comer fruta de três árvores que te vou dar a escolher!
- Três árvores só para mim???
- Sim, só para ti. Isto é para evitar que prejudiques a alimentação dos outros animais.
E a raposa Espertalhona escolheu logo três árvores da fruta que ela mais gostava: um pessegueiro, uma pereira e uma macieira. A partir desse dia ela só comia fruta daquelas três árvores. Mas para quem estava habituada a comer fruta de toda a qualidade e sempre que lhe apetecia, depressa se sentiu enjoada de pêssegos, peras e maçãs. Então o que é que decidiu fazer? Já vão ver…
Ao passar perto da amoreira do Sedoso, um jovem bicho-da-seda, não resistiu e comeu algumas amoras.
- Hummmm…são tão docinhas!
Receando que algum dos outros animais a surpreendesse, pensou que seria mais prudente ir lá de noite. E até podia levar um prato cheio de amoras para o pequeno-almoço do dia seguinte.
- Ah, ah, ah…Sou mesmo muito esperta, não acham?
E se bem o pensou, melhor o fez!
Na manhã do dia seguinte, o coelho Saltitão encontrou-a quando se dirigia para o lago.
- Bom dia!
- Olá coelhinho, dormiste bem?
- Sim dormi, obrigado. E a Dona raposa? – perguntou ele estranhando tanta simpatia. Ela era sempre tão antipática.
- Muito bem, muito bem. Adeus coelhinho – despediu-se a sorrir.
“Que esquisita está hoje a raposa e cheira a qualquer coisa… O focinho dela está negro. Muito esquisito mesmo.” - pensou o coelho Saltitão.
Encolheu os ombros e continuou o seu caminho, passando pela casinha do bicho-da-seda.
- Bom dia, Sedoso! – cumprimentou o amigo com alegria.
- Bom dia, Saltitão. Se bem que, para mim, o dia não está a começar nada bem…
- Então, o que aconteceu? – perguntou o amigo coelho.
- Quando fui tomar o pequeno-almoço vi que alguém, durante a noite, comeu muitas amoras da minha árvore não me deixando quase nada – queixou-se, quase a chorar.
- Quem teria feito uma coisa dessas?
- Não sei…talvez desconfie, mas é melhor calar-me porque posso estar errado – disse o Sedoso.
O coelho coçando uma orelha, pensou em voz alta:
- Parece-me que sei quem foi. Há poucos minutos encontrei a raposa e estava muito esquisita. De certeza que foi ela!
- Bem, para dizer a verdade também acho que foi, mas não queria…
- Sedoso! – interrompeu o amigo – vou falar com o tio Tomásio sobre isto mas não contes a ninguém, sim? Havemos de descobrir!
- Está bem, não direi nada. Obrigado!
Em casa do tio Tomásio o Saltitão contava-lhe o sucedido.
- Mas isso é uma coisa muito feia! Tens a certeza que foi a raposa? – perguntou, muito aborrecido.
- A certeza não posso ter porque não vi, mas que ela cheirava a amoras, lá isso cheirava. Disso eu tenho agora a certeza.
O tio Tomásio, de mãos atrás das costas, dava grandes passos na sala, furioso. De súbito, parou e disse:
- Vou castigar, severamente, o autor desta astúcia com uma astúcia ainda maior. Preciso da tua ajuda, Saltitão, esta noite iremos descobrir quem foi o intruso.
- Sim senhor, pode contar comigo!
E nessa noite, o tio Tomásio disfarçado de fantasma escondeu-se atrás de uns caixotes, perto da amoreira, acompanhado do Saltitão que sabia o que tinha que fazer.
Era quase meia-noite quando viram uma sombra a aproximar-se da árvore. Lá vinha a raposa Espertalhona! O tio Tomásio virou-se para o coelho e perguntou baixinho:
- Sabes o que tens a fazer, não sabes?
- Sei sim! Ai, que me vou fartar de rir!
E quando a raposa se preparava para comer as amoras, o tio Tomásio sem fazer ruído, foi-se aproximando dela. Vestido com um lençol branco até aos pés e de braços estendidos, estava mesmo assustador. Entretanto, o Saltitão atrás dos caixotes gritava “uh…uh…uh…” imitando um fantasma.
- Ai! – assustou-se a raposa – o que…o que é isto?
- Sou o fantasma do Reino dos Fantasmas e venho castigar-te pelo mal que estás a fazer aos teus amigos da quinta. São ordens da Rainha Caveira!
- Ra…rainha Ca…ca…caveira? Socorro! Ai, que medo, socorro! Por favor, não me castigues! – pediu a raposa encolhendo-se a um canto, aterrorizada.
- “Uh…uh…uh…” Só há uma maneira de seres perdoada.
- Ai, qual…qual é? Diz-me…farei tu…tudo o que qui…quiseres.
A raposa tremia apavorada com a possibilidade de ser levada para o Reino dos Fantasmas.
- Terás que ir a casa do dono da quinta e pedir-lhe desculpa por andares a comer a fruta que não te pertence.
- Ai…mas eu…eu não posso fazer isso porque ele não sabe que vim comer as amoras do Sedoso. E já ontem vim, também. Ai…ai…que eu não…não posso fazer o que me pe…pedes…
- Uh…uh…uh…
- Ai, acudam-me! Socorrooooo!
- Então, vens comigo à presença da Rainha Caveira! – ameaçou o vozeirão do tio Tomásio.
- Nãooooo! Por…por favor, isso não! Está…está bem, irei confessar a minha traição a casa do dono da quinta, ao nascer do Sol, prometo! Agora, deixa-me ir emboraaaaaa!
- Vai traidora! E cumpre a tua promessa porque se me enganares virei buscar-te a casa!
- Não…não te enganarei…não…
E a raposa afastou-se a correr olhando, constantemente, para trás com muito medo de ser perseguida até que tropeçou numa pedra o que a deixou em pânico.
- Ai…ai…ai que medo! Socorro!
O Saltitão riu-se tanto que até ficou com dores de barriga.
No dia seguinte pela alvorada lá estava a raposa a bater à porta do tio Tomásio.
- Bom dia, Dona Espertalhona, entre. Veio visitar-me tão cedo?
- Quer dizer, não é bem uma visita, sabe… – começou a explicar – é que…que eu…queria confessar uma coisa muito feia que fiz…
- Uma coisa muito feia? – perguntou o tio Tomásio como se de nada soubesse – Muito bem, então diz lá o que foi.
- Bem…é que …que eu comi amoras da árvore do Sedoso. Quer dizer…só comi algumas… Prometo que nunca mais voltarei a comer a fruta dos outros animais da quinta!
- O quê? Mas é, realmente, uma coisa muito feia! – repreendeu o dono da quinta.
- Estou muito arrependida, tio Tomásio! Estou…estou. Perdoe-me, por favor!
O tio Tomásio coçou a cabeça, fingindo que pensava no que havia de fazer e, por fim, declarou:
- Se estás arrependida, desta vez, perdoo-te. Mas se voltar a acontecer és expulsa da quinta, ouviste?
- Obrigado, obrigado. Não voltará a acontecer, pode ter a certeza!
- Muito bem. E agora diz-me lá porque me vieste confessar a tua deslealdade.
A raposa corou e baixou os olhos, envergonhada. Não teve coragem de lhe contar que quase tinha morrido de susto ao ser ameaçada por um fantasma. Ela passava a vida a dizer que não tinha medo de nada…
- É que…o tio Tomásio tem sido tão bom para mim…
- Vai-te lá embora e porta-te bem daqui em diante – avisou-a.
E a raposa Espertalhona foi-se embora muito humilhada.

“Quem muito esperto se julga, mais enganado é!”

Maria Manuela Amaral

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